Meu cachorro Tubarão, um legitimo vira-latas,
também tinha suas predileções, seus apegos, gostava mais de tio Zezinho que de
mim, seu dono, no coração ninguém manda, nem de um dito irracional. Tubarão... Tubarão
porque se era um mamífero, um quadrúpede, um cachorro e não peixe? Tubarão
porque, como era sabido, tinha que botar nome de peixe que é pra não pegar
rabugem, diziam na época (não sei o nome científico da doença, uma espécie de
sarna animal que faz, gradativamente, a medida que coçam, criar feridas e cair
o pelo do bicho, que era tratada com banhos de folhas de melão, não esses
melões vendidos em feiras, mas, um que dava no mato, com uns frutos diminutos,
umas bolinhas vermelhinhas que só comiam os passarinhos e se a gente comesse
morria, diziam).
Pois bem, continuando, quando ele via tio Zezinho enlouquecia,
não balançava só o rabo, balançava-se todo, rabo, cabeça, orelhas,
patas, e lançava-se violentamente contra a porta, que dividia a cozinha da
terceira sala, ou seria terceiro cômodo? E urrava alto com espantosa alegria.
Tio Zezinho costuma trazer fatias de salsichas pra ele, num pedaço de
papel de embrulhar pão. Naquele tempo não se sabia de ração, dava-se o que
tivesse pro bicho, resto de comida, etc. Só faltava ele dividir a mesa conosco,
era da família, ora! Hoje não se veste os bichos, trata feito gente, rs.
Pois
bem, mas, num dia fatídico, de triste lembrança, porém, tubarão teve a infelicidade de
comer ou deram pra ele “bola”, a bola que estou me referindo não era um
brinquedo , um mimo, uma bola mesmo comprada em Pet-Shoppings, era uma
armadilha pra matar cachorro, que consista pelo que ouvia falar, de carne
enrolada com vidro picado ou esfarelado dentro, não sei se usavam 1.080 (veneno pra rato), mas a
historia que era vidro mesmo, uma ultima refeição macabra preparada com
requintes de crueldade, por alguém sabe-se lá porque.
Pois é, Tubarão comeu.
Mamãe viu Tubarão dentro do quartinho, caladinho, espumando que nem gente
epilética, tremendo-se todo. Assim que soube tio Zezinho veio correndo. Deu
leite, o antídoto mais acertado, na época, nem sabia que existia medico pra
bicho, veterinário. E Tubarão nada, quer dizer, não estava mais nadando,
agonizava, dilacerado em suas entranhas. Uma hora, teve jeito mas não, o leite
não tava fazendo efeito. Tio Zezinho se afastou e só assistiu a tudo...
Enquanto as lágrimas caiam uma a uma do rosto. E Tubarão foi lentamente mudando
de reino... Estado... Virando pedra... Inerte... Que não mais balançava o rabo, latia,
se movia, se alegrava quando via o Tio Zezinho... nenhuma... Pedra, a-b-so-lu-ta-men-te estático. Tio Zezinho, calado... Nada mais podia ser feito. Pegou de uma
inchada, solene, foi para o beco ao lado da casa e pouco a pouco, foi cavando a duros golpes,
também a furar nosso peito, um buraco pequeno. E depois nele de depositou o corpinho do fiel amiguinho
canino, dentro do mais obscuro esquecimento. Abafando, de vez, silenciando os
latidos, o jeito enlouquecido, quando o via, do cachorro com nome de peixe que
é pra não pegar rabugem.
Fábio Murilo (11.09.2016)